As três artistas do povo ticuna: Elizete Ticuna, Angélica Nery Aiambo e Natália Ticuna vieram de aldeias do Alto Solimões, município de Benjamin Constant, e apresentam a arte do seu povo em quadros, roupas e cestaria, durante a Segunda Mostra de Arte Indígena de Manaus, da prefeitura, por meio do Conselho Municipal de Cultura (Concultura) e Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos (Manauscult), em exposição até o dia 31 de outubro, no Palácio Rio Branco, avenida 7 de setembro, centro histórico.
Em sua mensagem exibida na mostra, o prefeito David Almeida lembra que os artistas elaboram verdadeiras oficinas de reinvenção da existência. “Isso é especialmente verdade, quando falamos sobre as expressões artísticas dos povos indígenas, que são detentores de uma sabedoria milenar ancestral”, destaca o chefe do Executivo municipal.
O presidente do Concultura, Tenório Telles, ressalta a força da cultura ticuna que tem na floresta a razão de sua cosmologia. “As artistas trazem a força da cultura ticuna para essa edição da mostra de arte indígena, exibindo suas vestimentas, grafismos e os traços de sua identidade cultural”, salienta.
A cultura do povo ticuna tem, na expressão de seus mitos, a reverência e divinização da floresta, a exemplo do mito da “ngewane”, uma árvore encantada que cresce nos igapós e na beira dos lagos desde o princípio do mundo.
Angélica Aiambo
A artista Angélica Nery Aiambo, 30, nasceu no interior do município de Benjamin Constant (AM), na comunidade de Porto Cordeirinho, e foi com sua mãe que aprendeu a costurar o tururi que virou sua principal atividade artística e fonte de renda, bem como a desenvolver o grafismo e artesanato de seu povo.
O vestido de tururi exposto na mostra é obra de costura à mão e pintura de tecido. A fibra da entrecasca de uma árvore ubuçu (tchuna), é usada para a confecção de vestimentas tradicionais, artesanato, quadros e roupas. Essa é a matéria-prima que, depois de tratada, é transformada no tecido das roupas desenhadas e pintadas pela artista, usada também para a confecção de vestimentas tradicionais, artesanato e quadros.
Natalia Ticuna
Nascida no Alto Rio Solimões, na aldeia Novo Paraíso, no município de Benjamin Constant, a artista Natalia Cândido Dique Ticuna, 53, aprendeu com a mãe e a avó a arte da cestaria e costura tradicional que se transformam em moda indígena.
Ela expõe, na mostra de arte, três pacarás (cestos): retangular, tipiti, fruteira rosa e amarela, todos feitos a partir da fibra de arumã e do talo de bananeira e tucum.
Sua principal fonte de renda é a costura e artesanato, que produz com os filhos. Natalia conta que já participou da primeira edição do desfile de moda indígena, em Manaus. “Aqui em Manaus, aprendi mais sobre a tendência da moda indígena e de como essa cultura é muito interessante”, afirma a artista, dizendo que o grafismo da roupa indígena é muito significativo, marca muito sua cultura.
Ela afirma que a mostra de arte é uma esperança para as artesãs indígenas. “Para nós, mulheres artesãs, é uma grande oportunidade de mostrar nossos saberes”, finaliza.
Elizete Ticuna
A multiartista Elizete Ticuna, 30, nasceu na comunidade Porto Cordeirinho, no município de Benjamin Constant, e tem na sua avó a fonte de inspiração para a arte. Ela fez, durante a abertura da mostra de arte indígena, a performance “(Ai) arü nge’e”, a mulher-onça Torama, usando uma máscara do felino feito do tecido tururi e madeira.
“Hoje, eu vivo da minha arte, entre outras atividades também, como dança, performance artística e cantos”, conta a artista, que trabalha com as filhas, que residem em Manaus, no bairro indígena Parque das Tribos, na zona Oeste.
Sobre os nomes que deu aos seus trabalhos, foram “mandala grafismo pé de curupira e pintura chirui” e “grafismo de cocar de moça nova e desenho de ponta de flecha envenenada”, em tinta acrílica para tecido sobre tela. Ela explica que o paiwecümatü nas roupas significa pintura de rosto quando há festa de moça nova e, na cestaria, grafismo pai do vento o’ma.
Elizete é neta do cacique-geral do povo ticuna, “Nhe’matücü”, Pedro Inácio, que morreu em 2018, um símbolo de luta e resistência da causa indígena. “Sou também comadre do sertanista Bruno Pereira, padrinho de minha filha, que foi morto junto com Dom Phillips defendendo os povos indígenas”, diz Elizete, reforçando que a luta pela sobrevivência dos parentes é permanente.
Cultura ticuna
“O Livro das Árvores” lançado pelo povo ticuna, demonstra que as larvas migram para as raízes da árvore e lá se convertem em milhares de peixes-pacus, traíras, piranhas, sardinhas, surubins, tucunarés, aruanãs, piaus e sarapós, que ganham as águas durante as enchentes.
“O ngewane existe para a natureza nunca acabar, para nunca faltar alimento”, escrevem os ticunas, que também creem nos poderes multiplicadores de outra árvore sagrada, a tüerüma. Seus galhos proliferam em todas as direções. Quando as folhas da direita caem no chão, se transformam em onças, e as da esquerda, originam gaviões.
O livro faz parte do projeto “A natureza segundo os Ticuna”, iniciado em 1987. Todo esse trabalho objetiva preservar a memória ancestral do povo ticuna, seus mitos e saberes construídos ao longo de séculos.
Fotos – Cristóvão Nonato/Concultura e João Viana/Semcom