Codajás é popularmente conhecida pelos amazonenses como a terra do açaí.
Na cidade de 29.691 habitantes, de acordo com o IBGE, 70% da população tem como renda atividades direta ou indiretamente relacionadas à produção e escoamento do açaí, de acordo com a secretaria municipal de produção.
São apanhadores, batedores, atravessadores, trabalhadores em embarcações, estivadores, entre outros atores na produção e venda do produto, cobiçado para além dos limites territoriais do estado e até do Brasil.
Com qualidade e sabor inconfundíveis, o fruto específico da região ganhou maior fama a partir de 1988, com o início do Festival do Açaí. Foi quando outros municípios passaram a indicar a origem do insumo nas vendas. E alguns vendedores se aproveitaram para usurpar essa procedência, o que eventualmente afeta a reputação de um produto ainda sem marca registrada.
Essa falta de rastreabilidade, contudo, está com os dias contados. Desde 2019, produtores codajaenses, poder público e entidades atuam pelo sonho de alcançar oficialmente a notoriedade do açaí local. Chefe do escritório do Sebrae em Coari, que também administra Codajás, Alzinete Sobrinho lembra que a falsificação da origem do açaí e a desvalorização dos trabalhadores locais motivou a busca pela IG.
“Fizemos primeiro o diagnóstico em 2019, e desde então começamos esse trabalho de implementar o projeto. Reunimos para formar um comitê gestor e, através da contratação de uma empresa especializada, a gente começou a galgar as etapas até a solicitação desse selo, que já está bem próximo nessa primeira etapa, o que é só é o início desse trabalho”, frisou Alzinete.
Indicação Geográfica
E agora os trabalhadores dessa cadeia produtiva estão muito próximos de alcançar o reconhecimento oficial, através da Indicação Geográfica (IG) do produto. Além de agregar valor a um mercado que movimentou mais de R$ 31 milhões no município em 2021, este selo protege e garante a origem da marca, como já ocorre com a farinha do Uarini e o guaraná de Maués.
No Brasil, o selo de Indicação Geográfica é conferido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), do Governo Federal. O reconhecimento é concedido a uma região que ficou conhecida ou apresentou vínculos relativos à qualidade e características de um produto ou serviço, conforme estabelecido pela Portaria INPI/PR Nº 4, de 12 de janeiro de 2022.
Atualmente, o Amazonas possui seis IGs: farinha de Uarini, peixes ornamentais do Rio Negro, abacaxi de Novo Remanso, pirarucu de Mamirauá, guaraná de Maués e Andirá-Marau (guaraná dos indígenas), cuja área contempla parte de municípios do leste amazonense e do Pará. Até dezembro de 2022, outras três indicações devem ser estabelecidas junto ao INPI: queijos de Autazes, mel de abelhas nativas de Boa Vista do Ramos e o açaí de Codajás.
“Tendo essa concessão, a gente vai começar a ter os desafios, que são adequação do produtor para seguir as normas sanitárias”, observou Alzinete. “Para fazer parte desse processo, teremos que seguir o caderno de especificação técnica definido pelos agricultores. Isso para que eu diga ao consumidor final que ele está consumindo um produto que tem origem, qualidade e que Codajás tenha notoriedade no mercado”.
As ações da primeira etapa do processo de estruturação da IG do açaí de Codajás foram possíveis a partir de uma emenda parlamentar no valor de R$ 150 mil, de autoria do deputado estadual Serafim Corrêa (PSB). Já a segunda etapa, em andamento, contou com um investimento de R$ 100 mil do Sebrae Amazonas, somados a R$ 50 mil de emenda do deputado Fausto Junior (União Brasil).
Na noite desta quarta-feira, 8/6, autoridades do município, produtores e batedores do açaí se reuniram na Casa da Cultura Professor Levi de Assis, onde o projeto foi apresentado. Eles receberam camisas com a identidade visual da IG e mostraram entusiasmo com a perspectiva de uma produção mais valorizada. “É um dia para ficar na história. Esse selo será de extrema importância para os produtores, aos quais me incluo também”, destacou o prefeito Antônio Santos.
A partir do próximo dia 21 de junho, o Sebrae Amazonas e a Prefeitura de Codajás iniciarão uma programação de incentivo aos atores da cadeia do açaí nas adequações às regras sanitárias, desde a coleta, armazenagem e manipulação. Eles receberão consultoria especializada com palestras, oficinas, cursos de boas práticas de manipulação, adequação dos espaços dos batedores, entre outras ações.
Produtores, batedores e consumidores
Desde 1977 o produtor José Vieira de Oliveira, 76, mantém rotina semelhante: dois dias de coletas com equipe de até 12 pessoas em açaizais, situados em comunidades rurais do município, e um dia na zona urbana de Codajás para entrega de até 100 sacas cheias para venda. A principal parceira comercial do seu José é a Frooty, com fábrica em Manacapuru e uma das quatro grandes compradoras na cidade.
Natural de Carauari, ele mora em Codajás desde os 7 anos de idade e é um dos que se autointitulam produtores, batedores e consumidores da delícia da terra. “Antes, a gente trabalhava com juta e malva. Começamos depois com o açaí numa época difícil. Não existia máquina como hoje. Não tinha mercado. Quando veio a festa do açaí, houve uma progressão. Daí vem melhorando de lá para cá”, comentou José.
No Amazonas, onde se concentram palmeiras de açaí da espécie Euterpe precatória, ou açaí solteiro – nome atribuído pelo fato da espécie ter apenas um caule –, a árvore pode chegar a 20 metros de comprimento. Em média, os apanhadores precisam subir em quatro delas para encher uma saca com o fruto, o que em outros estados demanda 12 subidas. Isso porque, de acordo com os produtores, os cachos da bacia do Solimões são grandes.
Com tamanha oferta de palmeiras de açaí, nativos e cultivados, a produção e venda para outros municípios se fortaleceu não apenas a partir das agroindústrias, mas também com os batedores artesanais de Codajás. São 95 empresas formalizadas junto à prefeitura, a maioria delas envolvida nas diferentes etapas da cadeia.
De um sítio, os empresários Anselmo de Oliveira, 45, e Marineufas Bastos, 44, produzem o açaí exclusivo para venda em Manaus, onde os filhos e estudantes de 20 e 15 anos atuam nesse comércio. “Nós morávamos em Manaus e já vendíamos o açaí de Codajás, até resolvermos nos mudar para cá. Temos uma boa clientela, que ajuda, inclusive, a financiar a faculdade e estadia deles (na capital) ”, destacou Marineufas.
“Acredito que o selo vai alavancar nosso negócio, porque a gente pode alcançar mercados mais distantes, como São Paulo. Temos amigos lá. Ainda não conseguimos enviar para lá por conta da burocracia, mas o leque vai se abrir”, projetou Anselmo.