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Atuação da Defensoria Pública do Amazonas com o Custos Vulnerabilis corrige penas, evita prisões injustas e salva vidas

Mulher exposta a risco no presídio, preso sem processo de execução e condenações sem sentença estão entre os episódios transformados pela tese nascida na Defensoria amazonense

A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) consolidou nos últimos anos uma atuação que tem modificado a lógica da execução penal no Estado com o exercício do papel de Custos Vulnerabilis. Criada pelo defensor público amazonense Maurílio Casas Maia e reconhecida nacionalmente pelo Supremo Tribunal Federal, a tese posiciona a instituição como guardiã das pessoas em situação de vulnerabilidade, autorizando sua intervenção em processos mesmo quando já existe advogado constituído.  

Essa experiência acumulada no Amazonas mostra que a atuação tem sido determinante para corrigir erros graves, impedir violações de direitos e evitar que pessoas sigam presas injustamente. Diante desse cenário, uma carta elaborada por lideranças religiosas reconhece que a intervenção institucional da Defensoria nos tribunais funciona como ponte entre a população encarcerada e o sistema de Justiça, ampliando a escuta de quem costuma ser silenciado. O documento cita fundamentos bíblicos para defender a importância desse trabalho, relacionando a missão constitucional da instituição ao cuidado com pessoas privadas de liberdade, vítimas de abusos e grupos em sofrimento.

Nesse sentido, a DPE-AM tem encontrado situações em que penas estavam somadas de forma incorreta, condenações inexistentes apareciam nos cálculos, guias de recolhimento não chegavam à Vara de Execução e presos permaneciam segregados durante anos sem qualquer análise judicial. Tais problemas só foram identificados porque defensores atuavam como órgão de execução penal e examinaram casos que haviam passado sem contestação de outros atores do sistema.  

De acordo com o autor da tese, essa função não amplia poderes, mas cumpre uma missão constitucional esquecida por muito tempo. “O Custos Vulnerabilis nasceu da necessidade de impedir que vidas fossem engolidas pelas falhas do sistema. Quando atuamos, não substituímos advogados e muito menos o Ministério Público como fiscal da ordem jurídica, pois somente garantimos que nenhum vulnerável seja invisibilizado onde a margem de erro pode ser fatal”, afirma o defensor público Maurílio.  

Intervenção da Defensoria

Um dos casos acompanhados pela Coordenação Criminal da Capital mostra a gravidade das distorções que o Custos Vulnerabilis tem permitido enfrentar. Um homem seguia preso além do tempo correto porque o cálculo de sua pena incluía, de forma equivocada, uma condenação por estupro que, na verdade, pertencia a um homônimo. A Defensoria analisou a situação, demonstrou o equívoco e conseguiu a retirada da pena indevida, impedindo que ele permanecesse encarcerado injustamente.  

Outro caso se refere a um preso encaminhado de Iranduba para Manaus sem qualquer regularização formal. Após ser transferido, ficou meses dentro de uma unidade prisional sem processo de execução aberto, sem cálculo de pena, sem direito a progressão, sem qualquer referência jurídica que justificasse sua permanência ali. O Núcleo de Atendimento Prisional identificou a situação em uma visita de rotina, instaurou o processo, pediu detração, remição e progressão. Quando o caso finalmente chegou ao juiz, o apenado já tinha cumprido tempo suficiente para avançar de regime.  

Há situações igualmente sensíveis em que pedidos de advogados particulares foram negados, mas a Defensoria, ao analisar as condições reais de cumprimento da pena, demonstrou ilegalidades não observadas anteriormente e obteve soltura.  

Em outras ocasiões, defensores que atuam dentro do Tribunal de Justiça, como órgão de execução penal, identificaram prescrições que passaram despercebidas por magistrados, promotores e advogados. A atuação dinâmica dentro das unidades do Judiciário tem sido fundamental para detectar equívocos em cálculos, questionar guias de execução incompletas e solicitar correções imediatas, muitas vezes, impedindo que presos fiquem mais tempo encarcerados do que determina a lei.  

No município de Humaitá, servidores e defensores relatam situações de extrema gravidade, como a de um homem com penas acumuladas de diferentes estados. Ao analisar o processo, a equipe identificou cerca de três décadas de condenações sem sentença anexada. A Defensoria cobrou esclarecimentos, provocou as varas de origem e, em parte dessas condenações, o Judiciário confirmou que as informações estavam incompletas.  

Em Parintins, a atuação conjunta de defensores evitou que uma mulher, acusada de matar o ex-companheiro, então policial militar, permanecesse presa em situação de risco extremo. Mesmo com advogado constituído, ela estava isolada como única mulher dentro de um presídio superlotado. A Defensoria visitou a unidade, ouviu relatos, reuniu elementos, demonstrou o risco concreto à integridade física e sexual da presa e buscou o juiz para reavaliar a prisão. A decisão pela liberdade foi concedida após a intervenção, garantindo que ela pudesse responder ao processo fora daquele ambiente.

Proteção ampliada

O impacto da tese também aparece em situações que envolvem povos indígenas. Em Santo Antônio do Içá, uma mulher Kokama presa na delegacia passou a ter acompanhamento direto da Defensoria, mesmo possuindo advogado. A vulnerabilidade cultural, social e territorial fez com que o acompanhamento fosse integral. A gravidade do caso chegou a tal ponto que o próprio Conselho Nacional de Justiça buscou informações diretamente à Defensoria do Amazonas, reconhecendo que a instituição é o órgão responsável pela execução penal e acompanhamento dos presos, independentemente da presença de defesa privada.  

Segundo o defensor Theo Costa, o reconhecimento nacional da tese tem fortalecido o diálogo com a advocacia particular. Em muitos casos, são os próprios advogados que solicitam a participação da Defensoria para unir forças em prol dos direitos humanos.  

“Proteger pessoas privadas de liberdade no Brasil é um desafio diário. A atuação conjunta não só é possível, como necessária”, afirma Theo Costa.  

Vulnerabilidades no interior

Nas comarcas do interior, a Defensoria lida com desafios que não aparecem no mesmo grau na capital. Em grande parte das cidades, não há penitenciárias, apenas cadeias públicas improvisadas. Muitas não garantem banho de sol regular, não possuem oferta de trabalho, não têm espaços adequados para visitas e carecem até de itens básicos de higiene.  

Conforme a coordenação do interior, a Defensoria tem atuado para mitigar danos, enviar recomendações às delegacias, oficiar juízes e promotores, pedir inspeções e acionar núcleos especializados da capital sempre que necessário. A prática constante de visitas e atendimentos dentro das cadeias tem sido a principal ferramenta para identificar violações e corrigir distorções que colocam vidas em risco.  

“Quando identificamos irregularidades, enviamos recomendações, pedimos providências e, se necessário, ajuizamos ações. O objetivo é impedir que prisões ilegais se tornem rotina em cidades sem estrutura”, disse a coordenadora do interior, a defensora pública Rachel Marinho.  

Execução penal

Na capital, defensores que atendem o sistema prisional destacam que a atuação como órgão de execução penal evita superlotação e corrige rumos dentro do processo penal. Entre os problemas mais recorrentes estão a demora judicial para analisar pleitos, erros técnicos em cálculos de pena, retroatividade indevida de normas mais gravosas, falhas no Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) e dificuldades internas para alimentação de dados por parte do Judiciário.  

A Defensoria cumpre, nesse cenário, um papel de controle essencial para impedir que erros perpetuem injustiças. Em muitos casos, a instituição consegue identificar progressões atrasadas, apontar excesso de prazo ou apresentar pedidos que não haviam sido feitos pela defesa privada.  

Relatos de defensores mostram que ainda há manifestações pontuais de promotores que contestam a legitimidade da Defensoria para intervir em processos com advogado particular. No entanto, decisões do STF e do STJ vêm consolidando a distinção entre Custos Vulnerabilis e outros mecanismos de atuação no ordenamento jurídico. A intervenção Custos Vulnerabilis tem sido retratada como uma manifestação da visão institucional do próprio “Estado Defensor” Brasileiro, inconfundível com a fala do Ministério Público e a representação da pessoa vulnerável representada seja por advogado ou outro defensor público.

A tese coloca a Defensoria como instituição constitucional de proteção de direitos humanos, e não como substituta de advogados. O coordenador criminal da capital, Diêgo Castro, aponta que a Defensoria se tornou um mecanismo essencial de controle dentro do sistema penal.  

“Somos quem mais se aproxima da realidade concreta do preso. Conseguimos visualizar violações e corrigir injustiças sem depender da contratação de advogado. Isso reduz custos ao Estado, evita superlotação e garante direitos básicos a quem está atrás das grades”, afirma.  

Na prática, a resistência tem diminuído e há cada vez mais situações em que advogados pedem a participação da Defensoria para fortalecer pedidos e ampliar garantias. “Sofremos com a demora judicial, falta de técnica em cálculos de pena, retroatividade indevida de normas. Mesmo assim, seguimos atuando para impedir que erros técnicos resultem em mais sofrimento”, finalizou.  

Texto:  Ed Salles  

Foto: Divulgação/DPE-AM

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